A fluidez do conceito de fármaco
do ensaio clínico à relação médico-paciente
DOI:
https://doi.org/10.14244/rau.v16i1.472Palavras-chave:
antropologia da farmacologia, medicalização, neurociência biocultural, materiais informadosResumo
“Drogas”, “fármacos”, e “medicamentos” são objetos sócio-técnicos cuja definição, separação em relação a outras categorias, e efeitos dependem fundamentalmente de aspectos relacionais. O objetivo desse artigo é apresentar a concepção de “farmacogênese”, pelo qual uma molécula será transformada em fármaco a partir das pesquisas pré-clínica e clínica e da relação médico-paciente. Enfatizo que, a partir da farmacogênese, a identidade e as propriedades dos fármacos são transformadas através de suas associações em constante mudança. Para isso, abordo os medicamentos/fármacos como moléculas informacionais, saturadas de sentido, e descrevo os processos pelos quais a pesquisa pré-clínica e clínica criam o construto de “eficácia clínica” (especialmente a partir do dispositivo do ensaio clínico), e como esse conceito “estabiliza” a molécula em medicamento. Abordo ainda a problemática do placebo como definição negativa de eficácia, com base na neurobiologia do placebo, bem como na antropologia dos medicamentos. Por fim, concluo expondo como a relação médico-paciente é fundamental para a manutenção da eficácia e da eficiência, adicionando mais um elemento relacional para o fármaco.
Referências
Akrich, Madeleine (1996a). Le médicament comme objet technique. Revue Internationale de Psychopathologie, 21, pp. 135–158.
Akrich, Madeleine (1996b). Petite anthropologie du médicament. Techniques & Culture, 25(25–26), pp. 129-157.
Araújo, Natharry Almeida Bruno (2013). Três momentos da biografia dos medicamentos: O representante, o dispensador e a consumidora. Trabalho de Conclusão de Curso, Bacharelado em Antropologia/Universidade de Brasília, Brasília (DF). Disponível em: https://bdm.unb.br/handle/10483/6459.
Baetu, Tudor M (2016). The ‘big picture’: The problem of extrapolation in basic research. The British Journal for the Philosophy of Science, 67(4), pp. 941–964.
Barry, Andrew (2005). Pharmaceutical matters: The invention of informed materials. Theory, Culture & Society, 22, pp. 51–69.
Belzung, Catherine (2014). Innovative drugs to treat depression: Did animal models fail to be predictive or did clinical trials fail to detect effects? Neuropsychopharmacology, 39(5), pp. 1041–1051.
Belzung, Catherine & Lemoine, Maël (2011). Criteria of validity for animal models of psychiatric disorders: focus on anxiety disorders and depression. Biology of Mood & Anxiety Disorders, 1(1), p. 9.
Benedetti, Fabrizio (1996). The opposite effects of the opiate antagonist naloxone and the cholecystokinin antagonist proglumide on placebo analgesia. Pain, 64(3), pp. 535–543.
Benedetti, Fabrizio (2005). Neurobiological mechanisms of the placebo effect. Journal of Neuroscience, 25, pp. 13090–10402.
Bensaude-Vincent, Bernadette & Stengers, Isabelle (1996). A history of chemistry. Cambridge, MA: Harvard University Press.
Bittencourt, Silvia Cardoso; Caponi, Sandra; Maluf, Sônia (2013). Farmacologia no século XX: A ciência dos medicamentos a partir da análise do livro de Goodman e Gilman. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, 20, pp. 499–520.
Blatt, Sidney J., Sanislow 3rd, Charles A., Zuroff, David C. & Pilkonis, Paul A (1996a). Characteristics of effective therapies: Further analyses of data from the National Institute of Mental Health Treatment of Depression Collaborative Research Program. Journal of Consulting and Clinical Psychology, 64(6), pp. 1276–1284.
Blatt, Sidney J., Quinlan, Donald M., Zuroff, David C. & Pilkonis, Paul A. (1996b). Interpersonal factors in brief treatment of depression: Further analyses of the NIMH Treatment of Depression Collaborative Research Program. Journal of Consulting and Clinical Psychology, 64(1), pp. 162–171.
Blease, Charlotte (2018). Consensus in placebo studies: Lessons from the philosophy of science. Perspectives in Biology and Medicine, 61(3), pp. 412–429.
Brunton, Laurence L., Hilal-Danda, Randa & Knollmann, Björn C (2018). As bases farmacológicas da terapêutica de Goodman e Gilman. 13a ed. Porto Alegre: Artmed.
Butler, Ryan K. & Finn, David P (2009). Stress-induced analgesia. Progress in Neurobiology, 88, pp. 184–202.
Caetano, Hellen (2023). Entre eficácias e riscos: controvérsias em torno da Cannabis no Brasil. Ilha Revista de Antropologia, 25(1), pp. 112–133.
Carvalho, Marcos Castro (2016). Producing quimeras: Lineages of rodents, laboratory scientists and the vicissitudes of animal experimentation. Vibrant: Virtual Brazilian Anthropology, 13, pp. 160–176.
Caspi, Opher & Bootzin, Richard R (2002). Evaluating how placebos produce change. Logical and causal traps and understanding cognitive explanatory mechanisms. Evaluation & the Health Professions, 25(4), pp. 436–464.
Castro, Rosana (2012). Antropologia dos medicamentos: uma revisão teórico- metodológica. Revista de Antropologia Social dos Alunos do PPGAS-UFSCar, 4(1), pp. 146–175.
Claveau, François (2012). The Russo–Williamson Theses in the social sciences: Causal inference drawing on two types of evidence. Studies in History and Philosophy of Science Part C: Studies in History and Philosophy of Biological and Biomedical Sciences, 43(4), pp. 806–813.
Constantino, Michael J., Glass, Carol R., Arnkoff, Diane B., Ametrano, Rebecca M. & Smith, JuliAnna Z. (2011) Expectations. In J. C. Norcross (ed.), Psychotherapy relationships that work (pp. 354-376). Nova Iorque: Oxford University Press.
Dagognet, François (2012). A razão e os remédios. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2012.
Desclaux, Alice & Lévy, Joseph-Josy (2003). Présentation: Cultures et médicaments. Ancien objet ou nouveau courant en anthropologie médicale? Anthropologie et Sociétés, 27(2), pp. 5–21.
Duff, Cameron. Assemblages of health: Deleuze’s empiricism and the ethology of life. Nova Iorque: Springer, 2014.
Frank, Jerome D. & Frank, Julia B. (1991). Persuasion and healing: A comparative study of psychotherapy. Baltimore: Johns Hopkins University Press.
Garner, Joseph P (2014). The significance of meaning: Why do over 90% of behavioral neuroscience results fail to translate to humans, and what can we do to fix it? ILAR Journal, 55(3), pp. 438–456.
Gaudillière, Jean-Paul (2007). L’industrialisation du médicament: une histoire de pratiques entre sciences, techniques, droit et médecine. Gesnerus, 64, pp. 93–108.
Gibson, James J (2014). The ecological approach to visual perception. Nova Iorque: Psychology Press / Routledge Classic Editions.
Gomart, Emilie (2002). Methadone: Six effects in search of a substance. Social Studies of Science, 32(1), pp. 93–135.
Greenberg, R. P.; Dewan, M. J. (2014) Um delicado equilíbrio. A contribuição dos fatores psicossociais aos tratamentos biológicos dos transtornos mentais. In I. R. Oliveira, T. Schwartz & S. M. Stahl. (eds.). Integrando psicoterapia e psicofarmacologia. Manual para clínicos (pp. 288–299). Porto Alegre: ArtMed.
Hammond, Flora, Malec, James & Nick, Todd G. (2015). Handbook for clinical research: Design, statistics, and implementation. Nova Iorque: Demos Medical.
Hardon, Anita, Sanabria, Emilia & Rose, Isabel Santana de (2023). Drogas fluidas: revisitando a antropologia dos fármacos. Ilha Revista de Antropologia, 25(1), pp. e91717.
Hollinger, Mannfred A. (2003). Introduction to pharmacology. Londres: Taylor & Francis.
Illari, Phyllis McKay (2011). Mechanistic evidence: Disambiguating the Russo–Williamson Thesis. International Studies in the Philosophy of Science, 25(2), pp. 139–157.
Ingold, Tim (2012). Toward an ecology of materials. Annual Review of Anthropology, 41, pp. 427–442.
Ingold, Tim. Estar vivo: Ensaios sobre movimento, conhecimento e descrição. Tradução: Fábio Creder. São Paulo: Editora Vozes, 2015.
Kirsch, Irving, Deacon, Brett J., Huedo-Medina, Tania B., Scoboria, Alan, Moore, Thomas J. & Johnson, Blair T. (2008). Initial severity and antidepressant benefits: A meta-analysis of data submitted to the Food and Drug Administration. PLOS Medicine, 5(2), p. e45.
Kristensen, Kim, Christensen, Christian Broen & Christruo, Lona L (1994). The mu1, mu2, delta, kappa opioid receptor binding profiles of methadone stereoisomers and morphine. Life Sciences, 56(2), pp. 45–50.
Lakoff, Andrew (2007). The right patients for the drug: Managing the placebo effect in antidepressant trials. BioSocieties, 2(1), pp. 57–71.
Laplante, Julie (2015). Healing roots: Anthropology in life and medicine. Nova Iorque / Oxford: Berghahn.
Latour, Bruno (2001). A esperança de Pandora: Ensaios sobre a realidade dos estudos científicos. Tradução: Gilson César Cardoso de Sousa. Bauru: EDUSC, 2001.
Latour, Bruno (2012). Reagregando o social: Uma introdução à Teoria Ator-Rede. Tradução: Gilson César Cardoso de Sousa. Bauru: EDUSC.
Lemoine, Maël (2017). Animal extrapolation in preclinical studies: An analysis of the tragic case of TGN1412. Studies in History and Philosophy of Science Part C: Studies in History and Philosophy of Biological and Biomedical Sciences, 61, pp. 35–45.
Marras, Stelio (2008). Do natural ao social: As substâncias em meio estável. In B. C. Labate, S. Goulart, M. Fiore, E. MacRae & H. Carneiro (orgs.). Drogas e cultura: Novas perspectivas (pp. 155-186). Salvador: EDUFBA. Disponível em: https://neipp.info/publicacoes-neip/livros-neipdrogas-e-cultura/.
Marras, Stelio (2012). Os medicamentos e seus ambientes: O local como condição para o universal. Revista de Antropologia Social dos Alunos do PPGAS-UFSCar, 4, pp. 235–246.
Marras, Stelio (2013). Recintos de laboratório, evolução darwiniana e magia da obliteração - Reflexões em antropologia da ciência e da modernidade. Ilha Revista de Antropologia, 15, pp. 7–33.
Martinez-Hernaez, Angel (2016). “O segredo está no interior”. A neuropolítica e a emergência das neuronarrativas no consumo de antidepressivos. In S. Caponi, M. F. Vásquez-Valencia & M. Verdi (orgs.). Vigiar e medicar: Estratégias de medicalização da infância (pp. 61-72). São Paulo: Editora LiberArs.
Martins, André (2004). Biopolítica: O poder médico e a autonomia do paciente em uma nova concepção de saúde. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, 8, pp. 21–32.
Maximino, Caio, Arndt, Saskia S. & van der Staay, Franz-Josef (2019). Animal models. In J. Vonk & T. K. Schackelford (eds.). Encyclopedia of animal cognition and behavior (pp. 1-17). Basel: Springer Nature Switzerland.
Maximino, Caio & van der Staay, Franz Josef (2019). Behavioral models in psychopathology: epistemic and semantic considerations. Behavioral and Brain Functions, 15(1), p. 1.
Mol, Annemarie (2008). The logic of care: Health and the problem of patient choice. Londres: Routledge.
Nelson, Nicole C (2012). Modeling mouse, human, and discipline: Epistemic scaffolds in animal behavior genetics. Social Studies of Science, 43, pp. 3–29.
Pignarre, Philippe (1999). O que é um medicamento? Um objeto estranho entre ciência, mercado e sociedade. São Paulo: Editora 34.
Ritter, James R., Flower, Rod, Henderson, Graeme, Loke, Yoon Kong, MacEwan, David, Rang, Humphrey P. (2020). Rang & Dale Farmacologia. 9a ed. Tradução: Gea Consultoria Editorial, Rio de Janeiro: Grupo Gen.
Russo, Federica & Williamson, Jon (2007). Interpreting causality in the health sciences. International Studies in the Philosophy of Science, 21(2) pp. 157–170.
Sauro, Marie D.; Greenberg, Roger P (2005). Endogenous opiates and the placebo effect: a meta-analytic review. Journal of Psychosomatic Research, 58(2), pp. 115–120.
Senah, Kodjo Amedjorteh (1997). The popularity of medicines in a rural Ghanaian community. Amsterdam: Het Spinhuis.
Singh, Vijay K & Seed, Thomas M (2021). How necessary are animal models for modern drug discovery? Expert Opinion on Drug Discovery, 16(12), pp. 1391–1397.
Souza, Iara Maria de Almeida (2013). Vidas experimentais: humanos e roedores no laboratório. Etnográfica. Revista do Centro em Rede de Investigação em Antropologia, 17, pp. 241–268.
Stegenga, Jacob (2022). Evidence of effectiveness. Studies in History and Philosophy of Science Part C: Studies in History and Philosophy of Biological and Biomedical Sciences, 91, pp. 288–295.
Stegenga, Jacob (2015). Measuring effectiveness. Studies in History and Philosophy of Science Part C: Studies in History and Philosophy of Biological and Biomedical Sciences, 54, pp. 62–71.
Stewart, Adam Michael, Nguyen, Michael, Poudel, Manoj J., Warnick, Jason E., Echevarria, David J., Beaton, Elliott A., Song, Cai & Kalueff, Allan V. (2015). The failure of anxiolytic therapies in early clinical trials: What needs to be done. Expert Opinion on Investigational Drugs, 24(4), pp. 543–556.
Talin, Piera & Sanabria, Emilia (2017). Ayahuasca’s entwined efficacy: An ethnographic study of ritual healing from ‘addiction’. International Journal of Drug Policy, 44, pp. 23–30.
Thompson, Jennifer Jo, Ritenbaugh, Cheryl & Nichter, Mark (2009). Reconsidering the placebo response from a broad anthropological perspective. Culture, Medicine and Psychiatry, 33(1), pp. 112–152.
Toniol, Rodrigo (2017). Atas do espírito: A Organização Mundial de Saúde e suas formas de instituir a espiritualidade. Anuário Antropológico, 42(2), pp. 267–299.
van der Geest, Sjaak, Whyte, Susan Reynolds & Hardon, Anita (1996). The anthropology of pharmaceuticals: A biographical approach. Annual Review of Anthropology, 25, pp. 153–178.
Vargas, Eduardo V. (2008). Fármacos e outros objetos sócio-técnicos: Notas para uma genealogia das drogas. In B. C. Labate, S. Goulart, M. Fiore, E. MacRae & H. Carneiro (orgs.). Drogas e cultura: Novas perspectivas (pp. 41-64). Salvador: EDUFBA. Disponível em: http://neipp.info/publicacoes-neip/livros-neipdrogas-e-cultura/.
Watkins, L. R., Kinscheck, I. B., Kaufman, E. F. S., Miller, J., Frenk, H. & Mayer, D. J. (1985). Cholecystokinin antagonists selectively potentiate analgesia induced by endogenous opiates. Brain Research, 327(1–2), pp. 181–190.
Whitehead, Alfred North (1994). O conceito de natureza. Tradução: Julio B. Fischer. São Paulo: Martins Fontes.
Whitehead, Alfred North (2010). Processo e Realidade: Ensaio de Cosmologia. Tradução: Maria Teresa Teixeira. Lisboa: Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa.
Whyte, Susan Reynolds, van der Geest, Sjaak & Hardon, Anita (2002). Social lives of medicines. Cambridge: Cambridge University Press.
Will, Catherine M. (2007). The alchemy of clinical trials. BioSocieties, 2, pp. 85–99.
Willner, Paul (1991). Methods for assessing the validity of animal models of human psychopathology. In A. A. Boulton, G. B. Baker & M. T. Martin-Iverson (orgs.). Animal Models in Psychiatry (pp. 1-23). Clifton, NJ: Humana Press.
Downloads
Publicado
Como Citar
Edição
Seção
Licença
Copyright (c) 2025 Revista de Antropologia da UFSCar

Este trabalho está licenciado sob uma licença Creative Commons Attribution-ShareAlike 4.0 International License.